É comum na execução que Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) move, na qualidade de cessionário, contra o cedente e quem houver solidariamente com este se obrigado, vermos a alegação de que seria inválida a cláusula contratual que prevê a subsistência da responsabilidade do transmitente dos direitos creditórios consubstanciados na cártula pela solvência do débito a ela associado.
Ou seja, o cedente costuma alegar que o risco do contrato de cessão de crédito seria só do FIDC e que este não poderia, frente ao inadimplemento do débito corporificado no título cedido, cobrá-lo daquele, restando apenas o acionamento do sacado.
Porém, há várias decisões, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (4ª Turma, Recurso Especial nº 1.726.161/SP, relator: ministro Luis Felipe Salomão, publicação em 03/09/2019) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (23ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1115774-28.2018.8.26.0100, relator: desembargador José Marcos Marrone, publicação em 31/03/2022), que consideram válida a pactuação do direito de regresso do FIDC contra o cedente e o devedor solidário.
É que os adeptos dessa posição começam distinguindo o FIDC das famosas “factorings”, estas tidas como praticantes do fomento mercantil, não se concentrando unicamente na aquisição de recebíveis de seus clientes, vindo também a prestar serviços de assessoria mercadológica e gerenciamento de ativos.
Quer-se dizer que, quando muito, tem acolhimento a assertiva segundo a qual não o FIDC, mas a “factoring” estaria obstada, como cessionária, de cobrar do cedente o valor correspondente ao título objeto da cessão entre ambos celebrada em virtude da ausência do seu pagamento pelo sacado. Por isso, também há quem diga que, em tal caso, não conteria obrigação certa, líquida e exigível o título pelo qual o cedente garante à “factoring” a recompra do que foi cedido.
Não obstante, embora defendam que a faturizadora não está investida no direito de regresso contra o cedente, faturizado, ainda que no contrato de cessão se entabule cláusula o prevendo como passível de exercício em razão do inadimplemento do título transmitido, a aludida diferença entre FIDC e “factoring” que se costuma invocar tende a nos levar a concluir que não é cegamente que se deve eximir o transmitente da obrigação de garantir tanto a existência como a solvência do débito do sacado.
Quanto à distinção em comento e à contribuição dela para o fortalecimento da legitimidade da ação regressiva do FIDC contra o cedente, têm como ser percebidas na Resolução nº 2.907/2001, do Banco Central do Brasil, e na Instrução Normativa nº 356/2001, da Comissão de Valores Mobiliários.
A resolução autorizou a constituição e o funcionamento do FIDC e a instrução normativa, além de o conceituar no artigo 2º, III, como “uma comunhão de recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimônio líqüido para a aplicação em direitos creditórios”, define cessão de direitos creditórios, no inciso II do mesmo artigo, como “a transferência pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional”, fora que no inciso XV identificamos a concepção de coobrigação como “a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro”.
A citada IN nº 356/2001 confere significativo amparo à cláusula pela qual o cedente, no contrato de cessão de crédito assinado junto ao FIDC, compromete-se a honrar o valor do título cedido seja quando da ocorrência de vício no seu saque ou quando se está diante somente do inadimplemento do correlato débito pelo sacado.
Como se a IN não bastasse, é possível falar que o FIDC tem guarida, se previsto contratualmente o direito de regresso na hipótese de inadimplemento do débito cartular pelo sacado, no artigo 296 do Código Civil.
Afinal, se o artigo 296 da Lei Objetiva Civil preconiza que, “salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”, fica evidente que ele responderá se não houver estipulação em contrário.
A discussão que paira sobre o direito de regresso do FIDC contra o cedente, como se vê, surge com o inadimplemento do título cedido, não tendo cabimento quando o saque dele tiver se dado com vício, situação na qual a demanda regressiva tem espeque no artigo 295 do CC, que prevê que, “na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu (…)”. Um bom exemplo de título com vício é a duplicata de compra e venda mercantil sacada sem que se tenha aperfeiçoado a relação comercial com a efetiva entrega da mercadoria, caso em que o FIDC não poderá cobrar do sacado, entretanto, terá condições de exigir do cedente o valor espelhado na cártula.
Logo, a responsabilidade do cedente pela existência e pela solvência do crédito lastreado no título cedido ao FIDC, prevista no contrato de cessão, é tolerada com apoio na autonomia da vontade e nas normas acima referenciadas.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2022-abr-08/carlos-augusto-cezar-cessao-credito-firmada-fidc