Quando o devedor se sujeita a um processo de execução, por óbvio, fica sob o risco de constrições em seu patrimônio.
É que, nos termos do artigo 789 do Código de Processo Civil, todos os seus bens podem vir a ser penhorados, salvo restrições que a lei mesma estabelece.
Em meio a tal cenário, diante de cada caso concreto, o julgador pode se deparar com o conflito entre o interesse do credor em ver satisfeito o seu direito e a proteção do devedor contra ilegalidades ou excessos. Ou melhor, muitas vezes o juiz precisa sopesar, em lados opostos, o princípio da máxima efetividade da execução e o da menor onerosidade ao devedor, já que, embora o credor faça jus ao recebimento do que lhe é devido, não é permitido colocar quem deve numa situação indigna, para o que são levados em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Como um dos aspectos da discussão em torno dessa tarefa do Poder Judiciário, há a que versa sobre a penhora de faturamento da pessoa jurídica que figura como devedora em feito executivo.
Não é de hoje a tese segundo a qual a penhora de faturamento pode representar medida onerosa à pessoa jurídica que atua como executada, tese que na maioria dos casos tende a se resumir no comprometimento das suas atividades.
Nessa toada, é claro que inviabilizar a continuidade de certa empresa em favor de uma dívida a ponto de ser preterida, por exemplo, a geração de empregos não é o que o sistema processual civil prega, entretanto, como bem chegou a frisar o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.417.531-SP pela 3ª Turma, em 10/06/2014, relatado pela ministra Nancy Andrighi, “qualquer penhora de bens, em princípio, pode mostrar-se onerosa ao devedor, mas essa é uma decorrência natural da existência de uma dívida não paga. O princípio da vedação à onerosidade excessiva não pode ser convertido em uma panacéia, que leve a uma ideia de proteção absoluta do inadimplente em face de seu credor. Alguma onerosidade é natural ao procedimento de garantia de uma dívida, e o artigo 620 do CPC [hoje artigo 805 do CPC/15] destina-se apenas a decotar exageros evidentes, perpetrados em situações nas quais uma alternativa mais viável mostre-se clara”.
Vê-se que o princípio da menor onerosidade ao devedor, previsto no artigo 805 do CPC atual, não é absoluto e, quando invocado, não dispensa a comprovação, pelo executado, de que determinada providência executiva lhe é gravosa sobremaneira, fora que, na mesma oportunidade, deve partir do polo passivo a indicação de outra que seja menos agressiva, sem que nos esqueçamos, evidentemente, do fim último da execução, que é o pagamento do credor.
Seguindo a linha de raciocínio que não confere ao executado barreira intransponível contra a jurisdição executiva, surge a questão: a penhora de faturamento é sempre uma medida muito onerosa?
Sejamos francos ao admitir a necessidade de magistrados pararem de encará-la como algo que se aplica somente em sede subsidiária.
Quer-se deixar claro que a penhora de faturamento pode ser até mais benéfica ao devedor.
Por mais que seja difícil, inicialmente, percebermos algum benefício decorrente do deferimento da penhora de faturamento antes da expropriação de outros bens, a percepção passa a acontecer se perguntarmos: o que é mais oneroso? O bloqueio repentino de ativos financeiros via Sisbajud, que acarreta de uma só vez a indisponibilidade de recursos, ou a penhora de faturamento, quando pautada em plano de pagamento e percentual prudentemente fixado?
Mais perguntas: o que é pior ao devedor? Sofrer um imediato bloqueio de R$ 1 milhão em contas ou pagar a mesma quantia de modo contínuo no tempo, a partir, com apoio na ideia que ora se exalta, de um plano e de um percentual a incidir mensalmente sobre o faturamento da empresa?
Damo-nos conta de que talvez a penhora de faturamento seja menos rigorosa que o bloqueio passível de ser feito pelo Sisbajud.
Como se isso não bastasse, a penhora de faturamento não deixa de promover, obliquamente, o respeito da ordem de bens suscetíveis a penhora preconizada no artigo 835 do CPC, por enseja a excussão, em rigor, de dinheiro, o qual é o bem que ocupa o primeiro lugar na lista apresentada pelo dispositivo.
O plano de pagamento, a ser elaborado por um auxiliar do juízo com o indispensável conhecimento técnico (um contador) e desempenhado a partir de percentual a ser arbitrado para o fito de incidência sobre o faturamento, servirá justamente para serem equilibrados os propósitos de pagamento e de manutenção da atividade da pessoa jurídica devedora, eliminando-se o antagonismo entre os anseios.
Falar-se-á em adequação do pagamento do débito exequendo à realidade da pessoa jurídica devedora.
Portanto, que haja menos “preconceito” em relação à penhora de faturamento, a qual, como explanado, não deve ser indiscriminadamente rotulada como modalidade constritiva extremamente ofensiva e subordinada à prévia adoção de outras.