O colegiado seguiu, por unanimidade, o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. A decisão tem validade em todo o território nacional.
Na origem, a ação coletiva foi ajuizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do RJ em face das instituições financeiras BV Financeira S/A, Itaú Unibanco, Banco Fiat, Banco Bradesco Financiamentos, Banco Volkswagen, Banco Sofisa, HSBC Bank Brasil, Santander Leasing, Banco Panamericano e Banco Gmac.
A comissão sustenta a abusividade de tais cláusulas e o enriquecimento sem causa das instituições financeiras.
Em 1º grau, o pedido foi julgado procedente para declarar a nulidade da cláusula que impõe a cobrança de parcelas vincendas dos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre elas, na hipótese de liquidação antecipada do contrato por perda do bem sem culpa do consumidor, ainda que este não celebre contrato de seguro. A sentença também condenou os réus a restituírem, em dobro, todos os valores cobrados indevidamente e determinou que eles apresentassem registro individualizado que permita verificar o tempo efetivo de duração dos contratos de arrendamento celebrados nos últimos 10 anos.
O TJ/RJ proveu parcialmente o recurso das instituições financeiras para fixar o prazo prescricional em cinco anos da propositura da ação e afastar a obrigação de fazer de apresentar registro individualizado sobre tempo dos contratos celebrados. O Tribunal fluminense também estabeleceu que a devolução dos valores indevidos ocorresse de forma simples.
As instituições, então, recorreram ao STJ alegando, dentre outros, que as consequências pela perda do bem deveriam correr exclusivamente à conta do arrendário, devendo ser pagas as parcelas referentes à contraprestação pela utilização temporária do bem, sob pena de desnaturação da qualificação jurídica do contrato.
Relatora, a ministra Nancy teceu considerações sobre a natureza do contrato de arrendamento mercantil em seu voto e destacou que ele é sinalagmático. Além disso, pontuou que a cobrança antecipada do VRG (Valor Residual Garantido) não descaracteriza o contrato de leasing como uma compra e venda de prestação.
Segundo Nancy, a responsabilidade pelos prejuízos – nos contratos sinalagmáticos em que o inadimplemento é decorrente de caso fortuito ou força maior – é do devedor, devendo o prejuízo ser suportado por aquele que não pode mais cumprir a obrigação, perdendo assim o direito de exigir a contraprestação.
Diante do conteúdo de locação existente no contrato de arrendamento mercantil a primeira obrigação do locador/arrendador, segundo apontou a ministra, consiste na entrega da coisa sem a qual o contrato não pode preencher sua função econômica. Desta forma, a prestação que fica impossibilitada de ser cumprida com a perda do bem por força maior ou caso fortuito é aquela que cabe ao arrendador: de pôr à disposição do uso e do gozo do arrendatário, sendo o pagamento das parcelas devidas pelo arrendatário a prestação correlata que permanece podendo ser exercitada.
“Por aplicação da teoria dos riscos, do nosso estimado professor Orlando Gomes, o contrato se resolveria e quem teria que arcar com os prejuízos da perda do bem em caso fortuito ou força maior teria de ser o arrendador, devedor da prestação que deixa de poder ser adimplida por força maior ou caso fortuito.”
A ministra ressaltou que as regras da teoria dos riscos a ser aplicada ao contrato de arrendamento não se confundem com as regras do contrato de compra e venda com reservas de domínio. “Nem mesmo por analogia é possível a aplicação do 524 do CC/02 ao contrato de arrendamento mercantil.”
Nancy afirmou que não se nega que, no exercício da autonomia da vontade, as partes possam estipular regras distintas para a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do caso fortuito e da força maior e diante dessa circunstancia é que segundo parcela respeitável da doutrina uma das características especiais do contrato de arrendamento mercantil é a de que: todas as prestações pactuadas serão devidas ainda mesmo que o arrendatário queira dar fim ao contrato, devolvendo o bem a arrendadora antes de terminado o prazo contratual.
De acordo com a ministra, há, no entanto, circunstância que tem o condão de modificar o sentido das consequências que aparentemente decorrem ou decorreriam desse entendimento.
Nesse sentido, a ministra apontou que o bem objeto de contrato de arrendamento mercantil pode ser, por força da norma contida no art. 7º, inciso IX, b, da resolução 2.309/96 do Bacen, submetido a garantia por meio de contrato de seguro, por meio do qual o arrendador tem seu interesse de obter lucro ao menos parcialmente protegido pela indenização securitária. “Nessa hipótese, nem o bem – que se perdeu – nem a indenização securitária são repassadas ao arrendatário, sendo essa a parte que é privada, a despeito de ausência de culpa. Da prestação a que tem direito, que é a de ter o bem a sua disposição.”
Para Nancy, a solução equitativa seria o aditivo contratual, por meio do qual arrendador e arrendatário previssem a substituição do vem arrendado por outro de igual natureza, inclusive na ocorrência de sinistro, o que, aliás, segundo a ministra, é previsto como cláusula obrigatória do arrendamento mercantil, previsto no art. 7º, VIII, da resolução 2.309/96 do Bacen.
“Nos limites da moldura fática do acórdão recorrido, os arrendadores estão se locupletando ilicitamente, pois: a) a perda do bem sem culpa do arrendatário acarreta a resolução do contrato; e b) mesmo tendo recebido a indenização securitária e sem cumprirem com a prestação que lhes compete – de pôr a coisa à disposição do arrendatário.”
Desta forma, diante da falta de fundamentação apta a superar as conclusões do acórdão do TJ/RJ, a ministra concluiu não existir motivos para sua refoma neste ponto. A relatora deu parcial provimento apenas para restringir a condenaçao à possibilidade de combrança de parcelas vencidas na hipótese de o arrendatário ter contratado seguro em resguardo do bem arrendado. O acórdão também foi reformado para extinguir o processo, sem resolução de mérito, em relação à BV Financeira.
De acordo com o voto da relatora, os efeitos e a eficácia da sentença tem validade em todo território nacional, uma vez que não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido.
- Processo: REsp 1.658.568